Ela abriu a gaveta da penteadeira da mãe. Vasculhou os objetos, não sabia exatamente o que procurava. Encontrou uma fita de cetim cor-de-rosa e pegou. Na frente do espelho, examinou seu rosto, prendeu os cabelos com as mãos e imaginou como poderia prender a fita. Decidiu por prender os longos e ondulados cabelos castanhos num rabo de cavalo com uma chuquinha que estava presa em seu pulso. Com os fios no ar, passou a fita pelas mãos, sentindo a textura do cetim. Sorriu. Se olhou no espelho e delicadamente amarrou a fita cor de rosa em volta do rabo, para finalizar, fez um grande laço. Satisfeita, observou o laço se movimentar em harmonia com sua cabeça.
Voltou-se, novamente, para a gaveta. Nada mais a interessava. Fechou e partiu para a gaveta superior. Extasiou-se. A maquiagem da mãe deslumbrou a menina. Passou a mão por entre os cosméticos, sem pressa de decidir. Finalmente, escolheu um bastão preto e comprido. Pegou-o como se pudesse quebrar a qualquer momento. Fitou o objeto, tentando descobrir para que servia. Na primeira tentativa, destacou a tampa do resto do bastão para encontrar um pincel diferente dos que conhecia, mas, logo, o identificou e se lembrou dos movimentos da mãe em seus cílios. Imitando-a, a garota passou o pincel pelos cílios, de baixo para cima. Olhou-se no espelho. Algo ainda faltava.
De volta à gaveta, procurou aquele pó rosado que a mãe sempre passava nas bochechas. Encontrou-o e, sem delicadeza, espalhou-o pelas bochechas. Riu. O resultado foi diferente do esperado. A cor rosa destacada fortemente em seu rosto a deixaram com um ar de boneca. A jovem não se importou. Pelo contrário, gastou alguns minutos se admirando frente ao espelho. A luz do sol do fim da tarde perpassou pela janela, pelas brancas cortinas e iluminou o laço de cetim daquela menina pintada.
Sabendo o que queria, pegou da gaveta o batom vermelho preferido de sua mãe. Retirou a tampa e girou a parte de baixo do bastão, fazendo com que o batom surgisse da embalagem, como nos filmes. Ela secou os lábios com as mãos, fez um biquinho e começou a pintar sua boca de vermelho. Após a primeira passada, relaxou os lábios. Descontente, pressionou o lábio superior contra o lábio inferior. Houve uma melhora, mas a garota só se satisfez após a segunda camada de vermelho.
Contemplou sua imagem. O reflexo mostrou uma garotinha. Mas ela se sentiu uma mulher.
Até hoje, quando se sente incapaz de enfrentar a vida de frente, ela entra no quarto de sua mãe, senta-se à penteadeira e abre uma gaveta. E vasculha suas memórias, até encontrar aquela que a transforma. Abre mais que embalagens, abre seu coração, na esperança de que a mulher do reflexo seja a mesma sentada à penteadeira.