terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Extraodinário

Sofia saiu correndo de casa. Com seus tênis de corrida e seu IPod. Passou pelas três casas e virou à direita. Lembrou de desligar seus problemas e ligar uma música animada.

Sentiu o vento cortando suavemente seu corpo e quis gravar sensação, em alguns minutos o calor de seu corpo não a deixaria sentir o vento de forma tão completa.

Passou na frente da casa do Pedro. Seu namoradinho de adolescência. Um menino bonzinho. Ela sorriu. Tinha boas lembranças dessa época. Os namorados tinham boa convivência, mas nada extraordinário. Pois é, nada extraordinário. Por isso terminara com Pedro.

Sua mente divagou sobre suas preocupações após deixá-lo. Talvez devesse ter aceitado menos do que esperava. Afinal, ele nunca a tinha maltratado como outros namorados faziam com suas amigas.

Ah, suas amigas. Tanto sofreram por amor, enquanto Sofia sonhava ter um grande amor, como aqueles de filme. Um amor extraordinário. Riu da lembrança.

Ao cruzar a rua que a levaria de volta para casa, reparou numa velinha atravessando a rua lentamente. Imaginou-se como a velhinha, solitária e arrependida. Parou de correr e observou-a. No final da travessia, um velhinho sorridente apareceu e estendeu a mão. Ambos sorriram.

Sofia entrou correndo em casa. Ouviu a voz tão conhecida.

-Sofia? Amor, já voltou?

Voltou. Para seu amor extraordinário. 

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Quando eu digo

Eu te amo porque te amo.
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.

Amor é estado de graça
e com amor não se paga.
Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.

Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.
Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
nem se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.

Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor


Carlos Drummond de Andrade


Meu pai sempre me diz que a minha geração banalizou o ‘eu te amo’. E eu, claro, sempre fico na defensiva. Digo que, na realidade, ele que é saudosista e que a minha geração não fez nada com o ‘eu te amo’.

No entanto, por mais difícil que seja, hoje, eu concordo com ele.

Fato número um, nós ouvimos no ônibus, no metrô, nas ruas, na fila do cinema e, por um momento, eu me perguntei se era a única pessoa não dizendo ‘eu te amo’.

Fato número dois, sempre me incomodou muito ouvir ‘eu te amo’ de estranhos para outros estranhos (ouvir de estranhos para você mesmo também incomoda, fato). São momentos em que eu estou sentada no ônibus olhando pela janela, admirando a Paulista, e senta um infeliz do meu lado falando no celular e, ao fim da conversa, ele solta um ‘eu te amo’ tão insignificante e livre de emoção que me revolta.

É, me revolta. Todas as células do meu corpo fazem questão demonstrar minha insatisfação com esse ser que ajuda o mundo a banalizar ‘eu te amo’. Mas não serei hipócrita, entre amigos, é comum soltar aquele ‘amo vc’ ao final de cada recado via redes sociais. Será que amo mesmo?

Fato número três, quando amamos de verdade (se você é alguém que não acredita no amor, como você chegou até aqui no texto?), seja lá o que isso significa, soa verdadeiro. Porque soa vulnerável. Soa indeciso, não pela dúvida de amar, mas pela de expressar. Soa patético, se você não for uma das pessoas que ama ou que é amado. Soa transcendental, vai além da matéria desse mundo que conhecemos.

Fato número quatro, esse é muito pessoal. Eu só me incomodo com essa frase banalizada, quando eu estou amando. 

Fato número quatro, hoje, não quero ouvir nenhum ‘eu te amo’ banalizado. Quero aquele bom e velho "eu te amo" pausado, de mãos dadas e olhos nos olhos. É bom dizer, assim como ouvir. Eu gosto de sentir meu mundo de ponta cabeça.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Vestir a Camisa

Da arquibancada, vê-se as cabeças jovens e a alegria antiga. Do alto, percebe-se a tensão e o orgulho de estar onde se está. Do meu lugar, sente-se a multidão e o amor pelo momento.

O jogo começa. Qualquer jogo. E a torcida se anima. Tem muito em jogo, mais que um placar de sucesso, a torcida espera o reconhecimento da camisa que veste.

Os mais tímidos começam a se soltar. É inevitável. Os gritos pelo nome da faculdade preenchem a quadra. A bateria rege o ritmo da festa. E vale dançar, pular e sorrir.

Quanto aos momentos de tensão, esses são muito interessantes. A torcida diminui o ritmo. Os olhares se tornam preocupados. O coração bate intensamente. Mas sempre tem uma alma forte que se desvincula da tensão e carrega a multidão para a festa novamente. Então, são mais gritos, ainda que sofridos.

A faculdade marca um ponto. Qualquer faculdade. A torcida venera os jogadores. Os heróis carregam o orgulho e a torcida carrega os jogadores. Nesse momento um se alimenta da emoção do outro e a quadra deixa de ser o palco de uma partida, para ser o palco de um espetáculo de devoção àquele lugar que você pertence.

Na verdade, rivalidades a parte, tanto faz o lugar a que se pertence. A camaradagem é a mesma e o sentimento de união também. É lindo ver o grito de um grupo. E desprezível a hostilidade para com o outro.

Da arquibancada, eu senti que pertencia àquelas pessoas. Do alto, eu senti muito orgulho de vestir a camisa. Do meu lugar, não queria estar em nenhum outro.

Ah, eu visto a camisa vermelha. 

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Haver

Se não fossem as vozes

E o vento soprando

Sobre a música alta

Talvez, nada houvesse



Sob o céu nublado

Acima do chão esburacado

Apertaram-se as mãos

E tudo houve



Sem estranhas vozes

Sob lençóis marcados

Haveria de ser

E foi


Sob palavras sopradas

Soando como música alta

Entre tantas mãos

É o que há


Sob qualquer vento

Acima de todo o céu

Essas mãos

Hão de ser, sempre

domingo, 25 de julho de 2010

As Palavras

Eram as palavras que ela queria ouvir. E quando elas vieram, ela fez sentido de cada uma em sua cabeça, e seu significado aumentou. Saboreou cada uma delas e se prendeu à principal.

Ela queria dizer tanto. Procurou muitas palavras, mas nenhuma parecia transmitir o que queria dizer sem ter que dizer as palavras em si. Engoliu muitas frases e por alguns minutos pensou que não ia conseguir dizer nada. E, no entanto, queria dizer muito.

Talvez o silêncio ou, ainda, o olhar dela fez com que ele perguntasse se havia algo de errado com o que tinha dito. Claro que não. Estava tudo tão certo que ela não encontrava as palavras tão certas quanto o momento. Logo ela, que tinha tanta intimidade com palavras.

Então, ela afirmou aquilo que se passava em sua cabeça. Disse que era ótimo. Que assim, ela não seria a única. E sorriu. Sorriu por conseguir dizer alguma coisa. Mas algo ainda faltava. Contornou o rosto dele com os olhos. Foi quando tomou plena consciência do que sentia.
Mesmo sabendo que as palavras não seriam suficientes, ela as retribuiu, e, quem sabe, elas transmitiriam o que sentia.

Quase sussurrando, ela sorriu e disse.

‘Eu também estou apaixonada por você’

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Malas prontas

O medo, então, passou.

Ela deixou parou de andar para trás.

Passou a correr para frente.

Esqueceu de prender os cabelos.

E se divertiu no caminho.

Deixou o mundo de lado.

Nem parou para olhar para trás.

Cicatrizou antigas feridas.

Deixou um bilhete para os pais.

Viveria sua vida.

Ela mordeu os lábios.

Sabia que estava perto.

Muito perto.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Sobre meninas e mulheres

Ela abriu a gaveta da penteadeira da mãe. Vasculhou os objetos, não sabia exatamente o que procurava. Encontrou uma fita de cetim cor-de-rosa e pegou. Na frente do espelho, examinou seu rosto, prendeu os cabelos com as mãos e imaginou como poderia prender a fita. Decidiu por prender os longos e ondulados cabelos castanhos num rabo de cavalo com uma chuquinha que estava presa em seu pulso. Com os fios no ar, passou a fita pelas mãos, sentindo a textura do cetim. Sorriu. Se olhou no espelho e delicadamente amarrou a fita cor de rosa em volta do rabo, para finalizar, fez um grande laço. Satisfeita, observou o laço se movimentar em harmonia com sua cabeça.



Voltou-se, novamente, para a gaveta. Nada mais a interessava. Fechou e partiu para a gaveta superior. Extasiou-se. A maquiagem da mãe deslumbrou a menina. Passou a mão por entre os cosméticos, sem pressa de decidir. Finalmente, escolheu um bastão preto e comprido. Pegou-o como se pudesse quebrar a qualquer momento. Fitou o objeto, tentando descobrir para que servia. Na primeira tentativa, destacou a tampa do resto do bastão para encontrar um pincel diferente dos que conhecia, mas, logo, o identificou e se lembrou dos movimentos da mãe em seus cílios. Imitando-a, a garota passou o pincel pelos cílios, de baixo para cima. Olhou-se no espelho. Algo ainda faltava.


De volta à gaveta, procurou aquele pó rosado que a mãe sempre passava nas bochechas. Encontrou-o e, sem delicadeza, espalhou-o pelas bochechas. Riu. O resultado foi diferente do esperado. A cor rosa destacada fortemente em seu rosto a deixaram com um ar de boneca. A jovem não se importou. Pelo contrário, gastou alguns minutos se admirando frente ao espelho. A luz do sol do fim da tarde perpassou pela janela, pelas brancas cortinas e iluminou o laço de cetim daquela menina pintada.


Sabendo o que queria, pegou da gaveta o batom vermelho preferido de sua mãe. Retirou a tampa e girou a parte de baixo do bastão, fazendo com que o batom surgisse da embalagem, como nos filmes. Ela secou os lábios com as mãos, fez um biquinho e começou a pintar sua boca de vermelho. Após a primeira passada, relaxou os lábios. Descontente, pressionou o lábio superior contra o lábio inferior. Houve uma melhora, mas a garota só se satisfez após a segunda camada de vermelho.


Contemplou sua imagem. O reflexo mostrou uma garotinha. Mas ela se sentiu uma mulher.


Até hoje, quando se sente incapaz de enfrentar a vida de frente, ela entra no quarto de sua mãe, senta-se à penteadeira e abre uma gaveta. E vasculha suas memórias, até encontrar aquela que a transforma. Abre mais que embalagens, abre seu coração, na esperança de que a mulher do reflexo seja a mesma sentada à penteadeira.