sexta-feira, 9 de julho de 2010

Sobre meninas e mulheres

Ela abriu a gaveta da penteadeira da mãe. Vasculhou os objetos, não sabia exatamente o que procurava. Encontrou uma fita de cetim cor-de-rosa e pegou. Na frente do espelho, examinou seu rosto, prendeu os cabelos com as mãos e imaginou como poderia prender a fita. Decidiu por prender os longos e ondulados cabelos castanhos num rabo de cavalo com uma chuquinha que estava presa em seu pulso. Com os fios no ar, passou a fita pelas mãos, sentindo a textura do cetim. Sorriu. Se olhou no espelho e delicadamente amarrou a fita cor de rosa em volta do rabo, para finalizar, fez um grande laço. Satisfeita, observou o laço se movimentar em harmonia com sua cabeça.



Voltou-se, novamente, para a gaveta. Nada mais a interessava. Fechou e partiu para a gaveta superior. Extasiou-se. A maquiagem da mãe deslumbrou a menina. Passou a mão por entre os cosméticos, sem pressa de decidir. Finalmente, escolheu um bastão preto e comprido. Pegou-o como se pudesse quebrar a qualquer momento. Fitou o objeto, tentando descobrir para que servia. Na primeira tentativa, destacou a tampa do resto do bastão para encontrar um pincel diferente dos que conhecia, mas, logo, o identificou e se lembrou dos movimentos da mãe em seus cílios. Imitando-a, a garota passou o pincel pelos cílios, de baixo para cima. Olhou-se no espelho. Algo ainda faltava.


De volta à gaveta, procurou aquele pó rosado que a mãe sempre passava nas bochechas. Encontrou-o e, sem delicadeza, espalhou-o pelas bochechas. Riu. O resultado foi diferente do esperado. A cor rosa destacada fortemente em seu rosto a deixaram com um ar de boneca. A jovem não se importou. Pelo contrário, gastou alguns minutos se admirando frente ao espelho. A luz do sol do fim da tarde perpassou pela janela, pelas brancas cortinas e iluminou o laço de cetim daquela menina pintada.


Sabendo o que queria, pegou da gaveta o batom vermelho preferido de sua mãe. Retirou a tampa e girou a parte de baixo do bastão, fazendo com que o batom surgisse da embalagem, como nos filmes. Ela secou os lábios com as mãos, fez um biquinho e começou a pintar sua boca de vermelho. Após a primeira passada, relaxou os lábios. Descontente, pressionou o lábio superior contra o lábio inferior. Houve uma melhora, mas a garota só se satisfez após a segunda camada de vermelho.


Contemplou sua imagem. O reflexo mostrou uma garotinha. Mas ela se sentiu uma mulher.


Até hoje, quando se sente incapaz de enfrentar a vida de frente, ela entra no quarto de sua mãe, senta-se à penteadeira e abre uma gaveta. E vasculha suas memórias, até encontrar aquela que a transforma. Abre mais que embalagens, abre seu coração, na esperança de que a mulher do reflexo seja a mesma sentada à penteadeira.

3 comentários:

  1. fê o seus textos são maravilhosos! me deixam feliz heuheu

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  2. Seus textos me fazem lembrar dos chocolates Surpresa, da Nestlé, que minha mãe me comprava quando eu era criança. Ela, como toda boa mãe, não me comprava vários chocolates de uma vez só, caso contrário eu seria uma bolinha hehe. Mas cada vez que ela me comprava um era mágico. Eu desembrulhava cuidadosamente a embalagem externa, mais cuidadosamente ainda a embalagem de alumínio para que não estragasse e, quando eu verificava o card de dinossauro que vinha com o chocolate, o motivo pela minha ansiosa espera, eu o contemplava minuciosamente, em todos os seus detalhes, tanto em primeiro quanto em segundo plano. Passava bons momentos analisando-o, bem como verificando toda a sua ficha técnica que se encontrava no verso. Para mim, cada nova descoberta era momento de extrema felicidade. Depois de devidamente analisado e estimado, eu guardava-o no respectivo álbum, para que pudesse ser admirado novamente quando fosse de interesse e já começava a desejar pelo próximo chocolate Surpresa o qual, embora demorasse um tantinho a vir, era tão especial assim exatamente por este mesmo motivo.
    Seus textos, de igual forma, me despertam esse desejo; todavia com a grande diferença que, ao lê-los, não descubro tão somente uma novidade por alguém revelada, mas sim traços de sua personalidade, desejos e impressões. =]

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