segunda-feira, 24 de maio de 2010

Cena 2 - A ida

Cecília beijou seus pais e subiu para o ônibus. Carregando sua mochila nas costas, apoiada em apenas um ombro, procurou os números correspondentes aos de sua passagem. Ao encontrá-los guardou sua mochila em baixo do banco e escaneou o ônibus, analisando os passageiros. A maioria parecia estar voltando para casa. Percebeu as diferenças no vestuário, no comportamento. Ou era apenas a imaginação da menina.
Esparramou-se no banco, grata por ter o banco ao lado desocupado.
Lembrou-se de sua mãe e suas palavras na noite anterior.

“Cecília, você não precisa ir à sua avó. Não precisa provar nada.”

“Provar o quê?!”

Provar que não precisava de ajuda. Não. Descobrir. Descobrir sua composição. Descobrir com que cores seria pintada, com que palavras seria descrita.

Uma cidade no interior era uma opção. Escolheu a reclusão.

Sua mãe não a entendeu. Seu pai, não se sabe. Foram poucas as palavras, sempre poucas.

Do lado de fora, a paisagem não era espetacular. Cada vez mais seca e dura.

A viagem seria curta. Fechou os olhos e permaneceu inerte. Quando os abriu, casas simples e coloridas montavam o cenário. Não saberia dizer nada sobre a proximidade da casa de sua avó. Percebeu o ônibus diminuir a velocidade. Antes mesmo de o veículo parar completamente, os passageiros começaram a se arrumar para descer. Exceto Cecília. Ela esperou o esvaziamento do corredor para, então, levantar-se e caminhar, segurando sua mochila pela alça, pelo corredor em direção à saída.

Ao passar pela porta do ônibus e pisar o chão de concreto, sentiu uma onda de calor que envolveu seu corpo e o amoleceu.


Ainda abatida pelo calor imperdoável, levantou o rosto e procurou. Um rapaz aproximou-se. Seus olhos eram pretos e redondos, ofuscando os lábios murchos, nariz torto e as cicatrizes do queixo. O rapaz parecia desconfortável em sua própria pele.


“Cecília?” – ele tentou.

“Thiago?” – perguntou a menina, incrédula.

“Não,” - ele arregalou os olhos e continuou – “o Thiago não pode vir, ele viajou, eu acho... Bom, eu sou o Fernando, eu ajudo a sua avó, sabe? Então, fui designado a buscá-la e” – respirou para prosseguir. Mas Cecília não permitiu.

“Tudo bem, então”.

Fernando fez que sim com a cabeça e curvou-se na direção de Cecília, que imediatamente afastou-se, lançando-lhe um olhar assustado e indignado.

“Sua mochila” – ele disse cauteloso – “posso ajudá-la a carregar?”

Cecília inspirou para responder, mas desistindo, expirou todo o ar em seus pulmões e estendeu-lhe sua mochila.

Fernando a segurou e perguntou olhando para os lados da menina – “Cadê sua mala?”

“Que mala?”

“Você só trouxe uma mochila?”

Ela fez que sim com a cabeça.

“Quanto tempo ficará na cidade?” – ele perguntou enquanto caminhava em direção ao carro.

“Não sei’ – Mentiu. Afinal, sabia quanto tempo ficaria.

“Sua avó disse dois meses”

Cecília suspirou e nada disse. A presença de Fernando a perturbava.

Entrou no carro e sentou-se encolhida para a direita do banco do passageiro do carro que ele guiava.

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